Existe algo
No fundo desses verdes olhos
Algo trancado e esquecido
Cheio de armadilhas, escondido
Existiu algo
Que precedeu um mundo menos colorido
O estalo dos joelhos do cavalo
Aquele momento sutil e transformador
Aquela menina que perdeu a saudade
Que aprendeu sem ter vontade
Reprimiu sua luz
Para iluminar futuras estrelas
Uma pedra que não se move
Não se apaixona
Não come
Nem dorme
Uma pedra que não espera se molhar
Não se deixa levar
Nem por furacões
Nem por ilusões
Existe algo
Nas belas notas de seu perfume
Entorpecente e viciante
Um rastro misterioso e interessante
Existiu algo
Mais saboroso para se provar
Que passou sem ser notado
Perdeu-se feito areia em seus dedos
Aquela menina que desmaiou
Por alguns instantes na água
E renasceu como uma mulher menos selvagem
Com mais medos e menos coragem
Um peixe sem guelras
Sem nadadeiras
Com mais espinhas
E mais escamas
Um peixe que não espera se molhar
Não se deixa levar
Nem por rios ou mares
Nem por olhares
Existe algo
Sob sua branca pele
Que se deva garimpar
Algo quente, corrente e pulsante
Existiu algo
Intocável pelas cicatrizes
Tão superficial quanto orvalho
Que nem ao menos molha a planta
Aquela mulher que pensara ter adormecido
Ano após ano respirando como golfinho
E vivendo em terras de amazonas
Sem arco ou flecha, sem dor ou sonho
Uma heroína sem armas
Sem guerras ou inimigos
Com mais armaduras
E mais escudos
Uma heroína que espera, sim, se molhar
Mas não se deixa levar
Nem por trovoadas
Nem atordoada
